Reunião de 28/3/2011
“O Brasil na Encruzilhada”
Ex-presidente do Banco Central aponta medidas necessárias para o País não repetir erros que frearam o “milagre econômico” e garantir o crescimento sustentado.
Em reunião do Núcleo de Altos Temas (NAT) do Secovi-SP (28/3/2011), Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e hoje um dos principais acionistas da Gávea Investimentos (banco de investimento privado que fundou em 2003), fez detalhada análise do cenário nacional.
Como bem lembraram os presidentes do Secovi-SP, João Crestana, e do Conselho Consultivo do Sindicato, Romeu Chap Chap (também coordenador do NAT), o setor imobiliário deve muito a Armínio Fraga. Foi durante sua gestão no Banco Central que, por meio de resolução do Conselho Monetário Nacional, o financiamento à habitação com recursos do SBPE foi retomado. Sua atuação lhe rendeu a Láurea Personalidade do Secovi, dedicada àqueles que contribuem para o desenvolvimento das atividades imobiliárias e o consequente combate ao déficit de moradias.
Ontem
Ao analisar a história recente da economia nacional, Armínio Fraga questionou: “nesse momento de crescimento, estamos preparados para ir até o fim, ou vamos repetir o que ocorreu no período de 1950 a 1980, quando batemos no teto e nos espatifamos?”
Nesse período, o Brasil passou por intensa industrialização e experimentou o “milagre econômico”. O PIB per capita, que equivalia a 12% do norte-americano, saltou para 24%. O modelo escolhido foi alavancar o processo de industrialização, num primeiro momento. Depois veio a pujança dos investimentos em infraestrutura (década de 70), num regime de economia fechada e com o Estado participando intensamente. Boa parte do PIB vinha da atuação do governo. Mas esse modelo não foi capaz de passar de 25% do PIB dos EUA. Veio o estresse: menor produtividade, maior inflação, elevada dívida externa, crescente déficit público, descontrole total.
Pouca ênfase foi dada à educação. No final desse período, 20% das crianças sequer frequentavam a escola. Voltado para dentro e isolado das cadeias produtivas do mundo, o País chega ao final dos anos 80 com dificuldades e grande endividamento.
Vieram os anos 90 – uma década perdida que durou 12 anos, com recessão global. O Brasil quebrou.
Hoje
A visão de futuro é positiva, mas é preciso trabalhar muito. Atualmente, o Brasil conquistou inflação menor, programas sociais eficientes (é um dos poucos países com melhoria na distribuição de renda), transição política tranquila. Mas o PIB per capita equivale atualmente a 20% do norte-americano, o que não é bom. A meta é chegar a 100%.
Existem questões pendentes:
1) O governo é ainda grande e ineficiente – arrecada mais de 30% do PIB e investe pouco. Não é fácil pagar a carga tributária;
2) Está-se errando na dose de estímulo ao consumo. É claro que é preciso ter crédito e consumo, mas há exageros. As pessoas compram duas TVs ao invés de uma, o que é o traço negativo da cultura norte-americana;
3) O investimento é baixo, em torno de 18% do PIB em 2010 contra 25% nos anos 70. Isso apesar dos R$ 200 bilhões liberados pelo BNDES. A Indonésia investe hoje 30% do PIB, e o Brasil pode fazer o mesmo;
4) Há uma combinação perniciosa de ideologia com falta de capacidade de execução. Somente agora começa mudar aquela ideia de o Estado querer e ter de fazer tudo;
5) A infraestrutura está aquém das necessidades – o País chegou ao limite em todas as áreas (portos, aeroportos, estradas, energia, etc.) e o setor de saneamento é vergonhoso (40% das famílias brasileiras não têm acesso a esgoto). Baixo investimento em infraestrutura é barreira ao crescimento, embora também seja uma excelente oportunidade;
6) A questão da educação é das mais sérias. A Coréia, cuja renda da população é 2,5 vezes maior que a do Brasil, elevou a educação básica para 13 anos (aqui, são apenas sete) e investiu 30% do PIB no setor (aqui são menos de 20%);
7) A taxa de juro real, de 6% ao ano, tem de cair para patamares normais (no Chile é de 3,3% para títulos com prazo de 10 anos);
8) É preciso cuidado com o crescimento acelerado do crédito. A inflação precisa ser contida e não é possível fazer milagres do lado da oferta (leva tempo para aumentar o investimento);
9) Há problemas no balanço de pagamentos. O saldo em conta corrente apresentou déficit de 2% a 3% do PIB;
10) É preciso rever a carga tributária – não dá para crescer com os atuais níveis;
11) É preciso trazer a inflação para a meta.
Esta é a lista de preocupações apresentada por Armínio Fraga. Para ele, o governo de Dilma Rousseff mostra sinais positivos. Revela compromisso com a liberdade de imprensa; posiciona-se corretamente em relação à política externa (Chaves, Kadafi, etc.).
O Brasil reconheceu que é importante fazer parte do mundo. Está mais capitalista e empreendedor. O setor imobiliário é exemplo disso, com empresas indo ao mercado em busca de capitais. O mercado foi o que mais fez IPOs e promoveu uma revolução de governança.
Amanhã
Há desafios pela frente, bem como uma série de sinais de que serão feitos os ajustes necessários. Mais educação, maior produtividade e um melhor ambiente de negócios vão proporcionar a elevação da renda per capita.
As lições de governança precisam ser abraçadas. Dilma Rousseff fala em meritocracia e sua meta é ter um governo mais eficiente. É uma boa gestora.
Todavia, falta uma estratégia mais clara. Ainda estamos perto do modelo que quebrou no passado. Pouco se discute sobre as grandes reformas – tributária, previdenciária e trabalhista. Temos 38 ministérios e não existe um projeto de longo prazo para a questão da oferta. Há interferências, como se vê no caso da Vale do Rio Doce, fortalecendo a impressão de que o Estado continua a ser loteado (a sucessão na presidência deveria ser resolvida exclusivamente no conselho da empresa, sem interferência do governo).
É fundamental um Estado mais eficiente, e o setor privado (esse sobrevivente) tem de continuar pressionando nessa direção.
O governo tem de entregar o que a sociedade precisa (um crescimento de 5% do PIB ao ano). É necessário haver uma agência de gestão e adoção de estratégias, como maior número de concessões em setores essenciais. O Brasil não vai chegar onde quer apenas com BNDES e caderneta de poupança. No cenário nacional, vale prestar atenção no que está acontecendo no Rio de Janeiro, que vem adotando práticas de gestão, nos moldes do que fez Minas Gerais.
Setor imobiliário
Os números de financiamento (R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões este ano) são extraordinários. O crédito imobiliário não é preocupante (como é o caso do concedido ao consumo). O setor tem espaço para crescer, mas há preocupação com o funding. É necessário preparar o mercado para o dia em que haverá uma taxa de juros normal.
A atual elevação da inflação é conjuntural. O governo vai apertar gastos e segurar o crédito e abrir espaço para o investimento. É possível vislumbrar a queda de juros e, com isso, a caderneta de poupança vai deixar de ser fonte de recursos para financiar a habitação (a taxa será alta demais). Cabe, pois, começar a planejar desde já como resolver essa questão. Isso tem de estar na pauta do Secovi-SP, que é um formulador de propostas. Importante é revisar a experiência norte-americana para não repetir erros. Há muito espaço para crescer – a dívida imobiliária no Brasil ainda é ínfima.
O País terá de encontrar outros mecanismos para o financiamento imobiliário. Se o crédito imobiliário saltar para 20% do PIB, não haverá funding suficiente. É necessária uma revolução, tornar os investidores institucionais (que têm perfil de longo prazo) parceiros do setor. Não há uma solução única. Mas é preciso começar a pensar nisso, e rapidamente.
Silvia Carneiro
Assessora de Assuntos Institucionais/Secovi-SP










