Reunião de 16/2/2009
“Um projeto de lei para a Cidadania Fiscal”

O senador da República Delcídio Amaral participou de reunião do Núcleo de Altos Temas (NAT), realizada na sede do Secovi-SP, dia 16/2, para apresentar e debater projeto de lei de sua autoria. O PL 443/2008 propõe que o Brasil – a exemplo do que já fizeram países como México, Itália e, recentemente, a Argentina – possa repatriar bilhões de dólares que estão no exterior – e mesmo regularizar aqueles que estão no País -, por meio de uma anistia fiscal, ou, como define, um programa de ‘cidadania fiscal’.
Resultado de 18 meses de trabalho – iniciado após a CPI dos Correios, presidida pelo senador –, o PL tem tudo para ser aprovado ainda no primeiro semestre deste ano, especialmente em razão da crise econômica mundial.
Conforme Delcídio Amaral, o tema precisa ser enfrentado sem hipocrisia. “Uma série de fatores fizeram com que pessoas enviassem recursos para o exterior, como a insegurança jurídica gerada pelos sucessivos pacotes econômicos, o longo período inflacionário, a elevada carga tributária (com baixo retorno social dos tributos arrecadados) e a tolerância com a informalidade”, afirmou, adicionando que tais motivos também geraram problemas outros em âmbito interno: formação de caixa dois, escrituras lavradas com valores inferiores e emissão de notas fiscais somente quando solicitadas, dentre outros.
Para o senador – que, como um peregrino, está apresentando o projeto e recebendo sugestões -, o PL vai melhorar a situação fiscal, sem risco de favorecer ações criminosas, como lavagem de dinheiro originado no narcotráfico e outras práticas ilícitas. Além disso, os recursos repatriados serão direcionados a projetos sociais e de infraestrutura, ampliando a competitividade do País.
Abertura
Romeu Chap Chap, presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP e coordenador do NAT, salientou que o tema escolhido para a primeira reunião do Núcleo é bastante complexo: a anistia fiscal. “Nossa proposta é, sem pré-conceitos, conhecer assunto contemplado, debatê-lo e formar opinião de maneira consistente. Aliás, o NAT se constitui em campo adequado para esse tipo de discussão, em razão de sua filosofia e da pluralidade de seus integrantes, o que permite a análises sob diferentes pontos de vista”, afirmou.
Chap Chap anunciou os mais novos membros do Núcleo – os presidentes do SindusCon-SP, Sérgio Watanabe, e do Instituto de Engenharia, Edemar de Souza Amorim -, e fez uma avaliação positiva das reuniões.
“Quando criamos o NAT, em fevereiro do ano passado, a receptividade revelada por todos aqueles que convidamos, alicerçada na simples possibilidade de ter um campo neutro para dialogar de forma livre e sem compromissos formais, sinalizava que estávamos diante de uma boa idéia. Hoje, pelos encontros já realizados, pela freqüência dos membros e pelo interesse de tantos outros que passaram a integrar o Núcleo, podemos afirmar que estamos diante de um sucesso”, disse. Em sequência, apresentou breve retrospectiva os eventos de 2008 e anunciou os próximos temas programados: lobby legítimo, com o senador Marco Maciel, e reforma tributária, com o deputado federal Antonio Palocci.
João Crestana, presidente do Secovi-SP, adicionou que, dentre temas considerados como instituições positivas (propriedade e democracia, por exemplo), o lobby legítimo precisa ser discutido. “Precisamos adotar o que existe no mundo, como nos EUA. O lobby precisa ser feito de maneira formal, e não na clandestinidade.”
Crestana anunciou que, no âmbito do programa Instituições Positivas do Sindicato, encontram-se o livro ‘Direito de Propriedade’ e a ‘Cartilha Propriedade’, de autoria do professor de Filosofia Denis Rosenfield. Também cabe a ele o próximo trabalho, agora sobre o tema Democracia. “E pretendemos fazer outros, sobre lobby e sobre credibilidade (item decisivo para reduzir os custos das transações.”
Delcídio Amaral – Palestra
Por que o projeto de lei?
Quando presidi a CPI dos Correios, tive a oportunidade de investigar as operações realizada lá fora. A partir de então, começamos a trabalhar a idéia da repatriação de recursos, ouvindo governo, polícia federal, Coaf, Márcio Thomaz Bastos, etc. Na CPI, a idéia de repatriação passou a ser sedimentada. Estudamos o que ocorre em outros países. Muitos deles adotaram projeto semelhante. Pegamos os exemplos e montamos o PL.
Tema polêmico
O PL é polêmico porque muitos falam sem ler. É um projeto muito amplo, não apenas de anistia, mas de cidadania fiscal, pois abrange quem está com recursos no Exterior, mas também aqueles que estão no País e em ordem com a Receita Federal.
Trâmites
O PL está na Comissão de Assuntos Econômicos e terá celeridade na tramitação. Está na pauta de votações de 2009 e é terminativo: ao passar pela CAE vai direto para a Câmara dos Deputados, podendo ser votado ainda no primeiro semestre deste ano. O senador Sérgio Guerra (da oposição) será o relator no Senado.
Peregrino
Várias autoridades analisaram previamente a matéria e agora faço o mesmo com parlamentares e com empresários. A proposta é socializar o debate, discutir o PL democraticamente para que a idéia repercuta e, realmente, ajude o Brasil.
18 meses
O trabalho para a elaboração do PL consumiu quase 18 meses.Tive grande apoio do Gabriel Jorge Junqueira, presidente da CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras). Fomos auxiliados por empresas de advocacia e auditoria. Após a CPI dos Correios, quando o projeto estava maduro, veio a crise mundial e o descolamento do dólar. Com isso, a proposta se tornou alternativa viável para responder ao momento. De US$ 70 bilhões a US$ 80 bilhões podem ingressar no Brasil.
“A Máfia agradece”
É o que dizem aqueles que sequer leram o projeto. A eles, cabe lembrar a experiência italiana, a reboque da ‘Operação Mãos Limpas’.
Retrato da realidade – o que verificamos?
Muitas pessoas colocaram dinheiro lá fora em razão da insegurança jurídica gerada pelos planos econômicos; do longo período inflacionário (a estabilidade só veio com o Plano Real); a carga fiscal e a legislação tributária brasileira, extremamente complexa; o baixo retorno social dos tributos arrecadados; a grande tolerância com a informalidade e a corrupção; o contencioso fiscal, judiciário e legislativo (um labirinto kafkaniano); o arcaísmo da legislação; os vários casos de corrupção que afetam o dia a dia do País. Identificamos que a nova ordem econômica mundial vai exigir mais integração entre os países, haja vista que a saída da atual crise é a regulamentação. Apuramos que os efeitos desse cenário são percebidos em práticas como caixa dois, escrituras lavradas a menor valor, subfaturamento de exportações e superfaturamento de importações, omissão de bens, compra de recibos e notas fiscais, etc. Ainda, transferências não declaradas de recursos para fora do País por meio do mercado paralelo ou de compensação de transações, organização de companhias offshore, contratos de gaveta, planejamentos tributários de empresas elevados ao máximo (profissionais são pagos para enfrentar a estrutura tributária).
Cidadania fiscal
O PL foca a cidadania fiscal, abrangendo o problema de pessoas dentro e fora do País. Cidadania fiscal não é um eufemismo. Significa criar uma nova base de relacionamento com a Fazenda Pública, com regras seguras e motivadoras. O objetivo é permitir a inclusão ou a retificação de bens ou direitos, na declaração, de recursos omitidos. Hoje, se alguém deseja consertar a situação não encontra meios. Além disso, a meta é promover arrecadação imediata por meio de estímulo fiscal e destinar os recursos a projetos de desenvolvimento econômico e social, com a criação, por exemplo, de um fundo para investimentos em infraestrutura. A Alemanha fez isso, embora com poucos resultados; a Itália captou 72 bilhões de euros; Bélgica, Nova Zelândia, Singapura, Dubai e Irlanda também adotaram a medida. Procuramos as melhores alternativas para definir o que era melhor para o Brasil.
Pressupostos
A adesão do contribuinte é voluntária e incondicional (não há obrigações a cumprir). O tratamento é isonômico (pessoas físicas ou jurídicas) e o alcance geral e irrestrito (não há restrição de valor). Há, porém, um prazo de validade (o benefício tem de ser utilizado no período estabelecido).
Retorno
Estimamos que pelo menos US$ 70 bilhões podem ser repatriados. Mas o número deve ser maior. A Argentina, que lançou projeto de lei similar, fala em US$ 160 bilhões. Temos alíquotas diferenciadas para o caso de quem traz recursos do Exterior e tratamento correto para quem está no País.
Segurança
A internalização ocorre por meio de bancos prime, fundos, etc. Afinal, as próprias instituições financeiras fazem uma triagem rigorosa do que é aplicado lá fora. Medida de segurança para não deixar entrar dinheiro sujo. Hoje, se alguém chega ao caixa de um banco com R$ 200 mil para abrir conta o gerente não faz nada antes de checar a origem do dinheiro. Os bancos estão preparados para dizer se determinado dinheiro é bom ou não. Ainda, a Lei 9613/98 (contra crimes de lavagem de dinheiro) se constitui em mais um obstáculo. Nosso sistema é um dos mais blindados do mundo e cuidamos de fechar todas as portas.
Garantias aos ‘anistiados’
O projeto de lei não permite que Ministério Público, Receita Federal ou outros possam processar o ‘anistiado’. É uma filtragem, como que passando a limpo todos os problemas. Também estamos propondo um novo Refis em condições compatíveis.
Passando a limpo
O objetivo é passar a limpo o País. O PL embute a melhoria e a modernização do sistema contábil, bem como a adoção de um novo sistema de contabilização. A Petrobras, por exemplo, teve de nivelar suas informações com as das grandes empresas do mundo. Temos a oportunidade de adotar procedimentos similares para as médias e até mesmo as pequenas empresas. A meta é conferir transparência para quem quer trazer recursos de fora; fazer com que os balanços reflitam a realidade de cada organização.
Ajustes
O PL está recebendo sugestões e sofrendo ajustes. O próprio Secovi-SP questionou se a habitação estaria incluída no conceito da infraestrutura. Esclarecemos que está. Também a questão da punibilidade está sendo afunilada, assim como a possibilidade de abrir conta em dólares em instituições brasileiras (o Banco Central tem como criar condições adequadas).
Expectativas
Acredito que o PL vem num momento especialíssimo. A atual crise não se constituirá num curto prazo de sofrimento se não encararmos as dificuldades e reconhecermos que EUA, Europa e Ásia não terão condições de resolver os problemas sozinhos. O projeto de lei tem barreiras claras contra narcotráfico, contrabando, etc. Traz dinheiro novo para a infraestrutura (habitação, rodovias, portos) que garante competitividade ao Brasil. Cria uma nova relação de Receita com o contribuinte e ajuda a simplificar a legislação tributária. Limpamos a área para que recursos sejam repatriados, com regras mais simples, com a elaboração de balanços claros que permitam analisar o real desempenho das empresas. Enfim, oferecemos condições de colocar o Brasil no nível que ele merece. Um país mais fraterno, solidário e cidadão.
DEBATES
José Maria Chapina, presidente do Sescon – Por que há evasão de divisas? É a alta carga tributária. O PL fala em mecanismo motivador. Por que não atrelá-lo à reforma tributária? Com a atual carga de impostos, daqui a 12 meses precisaremos de uma nova anistia. É preciso lembrar que temos inúmeros controles tecnológicos (a nota fiscal eletrônica, por exemplo). Mas ainda precisamos nos alinhar com o mundo, com menos tributos para que haja menos informalidade e ilegalidade
Delcídio Amaral – O PL era para ser concomitante com a reforma tributária, mas 2008 foi um ano pouco produtivo. Só nos últimos dois meses é que o tema voltou a ser discutido e, como erramos na operação, vieram as reações dos governadores. A reforma tributária é prioridade deste ano legislativo. Porém há lideranças partidárias que estão céticas. Em função da crise, as perdas sofridas pelos estados, em tese, não justificariam fazer a reforma agora. Mas a meta é priorizar o tema.
Sérgio Salles, advogado – A Lei 9113 (“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores) vê como crime qualquer omissão ao sistema financeiro nacional. O PL do senador não evidencia claramente alguns pontos, e, em determinado momento, coloca o contribuinte na mão do fiscal – item que deveria ser extirpado.
Delcídio Amaral – Já fui bombardeado com tais considerações. O texto não foi feliz e já estamos encaminhando as correções. A observação é muito pertinente.
Roberto Germanos, advogado – Há aspectos que podem ser ajustados. Na questão dos benefícios, o contribuinte poderia incluir um bem no IR ou atualizar o preço do imóvel, sem precisar dos dois benefícios. Poderá escolher um. No artigo 10, pessoas físicas em contas de participação de pessoas jurídicas em paraísos fiscal são tributadas em regime de competência. Acontece que participação em paraíso fiscal não é sinônimo de coisa errada, mas a pessoa será tributada independentemente da distribuição. Isso pode gerar situações estranhas, com tributação sobre renda variável.
Delcídio Amaral – Será interessante receber essas questões de forma mais detalhada, o que pode ser feito por intermédio do Secovi-SP.
Décio Tenerello, GEO Construtora e ex-presidente da Abecip – O PL é elogiável, temos de buscar alternativas. Mas o que levou um brasileiro a colocar recursos lá fora? Um dos aspectos é a questão da credibilidade nos governantes. No governo Sarney, foi criado um fundo ao portador para que brasileiros pudessem repatriar dinheiro sem necessidade de se identificar. No governo Collor, essa prerrogativa foi revogada. Assim, quem de boa fé utilizou esse fundo teve de se identificar. E quem não o fez teve seus recursos confiscados. O que faz o senador acreditar que o brasileiro vai confiar agora?
Delcídio Amaral – Está é a preocupação de todos. Buscamos conceber o projeto para blindar o contribuinte. Mas é importante lembrar que o Brasil de hoje não é mais o do Collor, nem do período pós-ditadura do Sarney. Atualmente, o País tem outro tipo de avaliação. Apanhou muito e sabe que não é por aí. Um exemplo: sou de Mato Grosso do Sul, fronteiriço com a Bolívia. Hoje, a economia não aceita bravatas, fanfarronices. O que ocorreu na Bolívia não se recupera em menos de dez anos. Ninguém mais investe lá. Investidores sérios saíram, pois estabilidade nas regras é fundamental. Não dá mais para trair as pessoas, mudar a regra do jogo no meio do jogo. O Brasil é outro. Quando Lula assumiu muitos falaram que ia ser complicado, mas ele manteve o programa de estabilização anterior. Palocci foi o grande guardião da estabilidade, mesmo contra o próprio PT.
Arnaldo Goldstein, Tati Incorporadora e Construtora e diretor do Secovi-SP – Mas problemas de retaliação podem ocorrer, ou mesmo acontecer de aspectos relativos à pessoa física atingirem a pessoa jurídica, afetando a sobrevivência das empresas?
Delcídio Amaral – Não cabe tal preocupação. Não há o menor risco de confundir a pessoa física com a jurídica.
Cláudio Conz, presidente da Anamaco – O setor de materiais de construção é integrado em sua maioria por médias e pequenas empresas. Sou um daqueles que não mais acredita na reforma tributária. Mas se não houver a simplificação dos procedimentos o problema nunca será resolvido. Sem simplificar (além de reduzir a carga tributária), a situação continuará complicada. O que buscamos é isonomia. Existem dois milhões de imóveis fechados porque a taxa de 27,5% de IR sobre locação não motiva ninguém. Aliás, há ainda contratos de gaveta, pois esse porcentual é o triplo do que pode proporcionar qualquer aplicação financeira. É possível propor isonomia futura para que um ganho financeiro não seja tratado de forma tão distorcida?
Delcídio Amaral – Estes são pontos que aderem mais à proposta de reforma tributária que ao PL.
José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco – Falando agora com o senador engenheiro, é evidente que o desenvolvimento nacional não acontece por falta de projetos. O PAC depende de projetos de engenharia, que precisam ser contratados com um ano de antecedência. Mas não adianta fazer um banco de projetos para dez anos, pois a realidade física muda (há ocupações, etc.). Vem aí o PAC Copa, mas continuamos duramente afetados pela carga tributária e pela necessidade de mudar o entendimento do projeto PIS/Cofins.
Delcídio Amaral – A engenharia brasileira tem sofrido muito nos últimos anos. Sou partidário de bons serviços à população. Vim de um grupo de engenheiros que se preparou, estudou no Exterior (pago pelo País, como tantos outros o foram). A questão da engenharia no Brasil é inacreditável. A Light – quando era vinculada à França – reunia uma elite de engenheiros. Mas, com o achatamento salarial, muitos foram embora, mudaram de ramo. Um dos grandes problemas para o longo prazo é a falta de sincronismo entre a engenharia e os grandes projetos nacionais. Por exemplo, em Belo Monte (Usina do Cararaô – terra de caiapós) foi feito um reservatório que ficou 1/3 em área inundada pelo Rio Xingu. Onde o PAC tem condições de andar é em estatais que têm tradição de engenharia. Adicione-se que a os serviços na área não caminham corretamente. Tramita no Senado, por exemplo, um PL de Eliseu Resende (do qual sou relator) que atrela eclusas a projetos de hidroelétrica.
Silvia Carneiro
Assessora de Assuntos Institucionais/Secovi-SP










