Reunião de 16/6/2008
“Prêmio da Mega-sena”

A fisionomia tranqüila já denunciava: Octavio de Barros, diretor de Pesquisas Macroeconômicas do Bradesco, trazia boas notícias.
E não foi outro o teor da mensagem que transmitiu aos integrantes do NAT, durante reunião-almoço realizada, dia 16 de junho, na sede do Secovi-SP.
Com base em dezenas de números e indicadores, o doutor em Economia e ex-assessor do Ministério da Fazenda – dentre outras atuações que incluem OCDE, SOBEET, CESP, Febraban e Fiesp – Octavio de Barros mostrou que o Brasil ganhou na mega-sena. O desafio é saber o que fazer com o valioso prêmio e, principalmente, como não perder tudo para a inflação. A seguir, o relatório do encontro, acompanhado da íntegra da apresentação feita pelo convidado.
Abertura
Ao abrir os trabalhos, Romeu Chap Chap, presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP e criador do NAT, destacou a oportunidade de discutir o Brasil com Octavio de Barros, uma das cabeças mais privilegiadas do cenário nacional.
Na ocasião, apresentou a todos Jacob Werebe, bem-sucedido empresário na indústria imobiliária e outros segmentos produtivos. Jacob irá apoiá-lo diretamente na interlocução com os integrantes do NAT, com vistas a colher sugestões dos convidados permanentes quanto a temas, palestrantes e outras iniciativas.
Aquecimento
Antes de ser dada a palavra ao convidado, o presidente do Secovi-SP, João Crestana, fez breve pronunciamento sobre a evolução do País e do mercado imobiliário nos últimos anos.
Lembrou o quanto a indústria imobiliária sofreu com a hiperinflação, fato comprovado na queda brutal de unidades produzidas e financiadas. Aliás, as empresas tinham de adotar o autofinanciamento, pois as operações de crédito imobiliário eram ínfimas. Com a estabilização da moeda e a forte redução da inflação, tudo começou a mudar. Hoje, o setor está em franca retomada.
“Por essa razão, é preocupante a possível volta da inflação, bem como os efeitos das medidas para combatê-la (contenção do consumo por meio da elevação da taxa básica de juros). Ouvir Octavio de Barros sobre estes e outros temas é mais que oportuno”, salientou.
A Palestra
“O Brasil olhando para frente: o que fazer com o prêmio da mega-sena acumulada?”
Este foi o tema da palestra de Octavio de Barros, que iniciou transmitindo abraços do presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro Brandão.
Barros destacou de pronto a grande transformação da economia mundial nos últimos cinco anos e atacou de imediato a preocupação externada por João Crestana: o Brasil teve a mais dramática história de hiperinflação do planeta – 14 quatrilhões por cento. “Nem a Alemanha do pós-guerra chegou a tanto. Nem mesmo a Argentina, que ocupa o segundo lugar nessa história”, disse.
Por 15 anos, a inflação no País foi superior a 100% ao ano. Em seis desses anos, chegou a 1.000% ao ano. “E isso faz pouco tempo”, lembrou.
Hoje, o quadro é totalmente diferente. Segundo Barros, o Brasil ganhou a mega-sena acumulada e por alguns motivos evidentes:
- É um ‘new kids on the block’, ou seja, integra o famoso BRICS, bloco de nações emergentes, ao lado da Rússia, Índia e China – que também ganharam a mega-sena acumulada;
- É uma das locomotivas do capitalismo vibrante que migrou para os países em desenvolvimento (incluindo América Latina e Leste Europeu), os quais respondem, hoje, por 44% do PIB mundial;
- Daqui a seis anos, esses países emergentes vão ultrapassar os desenvolvidos no peso do PIB mundial, e isso apesar do crescimento abaixo do potencial (“Japão perderá espaço; zona do euro ingressará em situação mais melancólica; EUA, perderá um pouco, mas como é uma economia dinâmica que respeita os contratos, o direito de propriedade e possui estupenda capacidade de recuperação – “continuará sendo uma locomotiva”);
- Na ponta do lápis, PIB da China será igual ao dos EUA em 2020.
Contribuição para o crescimento
- Nos últimos cinco anos, a contribuição para o crescimento pelos países emergentes correspondeu a mais de 2/3 de tudo o que o planeta cresceu (70%). A China, nos últimos dois anos e meio, respondeu por 1/4 do crescimento mundial;
- Houve o desmonte total da velha abordagem ‘do centro para a periferia’. A China vai crescer por um bom tempo, pelo menos 10% ao ano, e o mundo está centrado nessa dinâmica;
- Note-se que esse crescimento é endógeno. A economia asiática está cada vez menos dependente de exportações: 52% de todo o comércio mundial é feito internamente pela China, enquanto 59% de todo o comércio europeu é entre os países daquele continente;
- 85% dos habitantes do planeta estão em países em desenvolvimento, porcentual que chegará a 90%, haja vista o ritmo do crescimento demográfico, que é três vezes maior do que ocorre em países desenvolvidos.
Mega-sena brasileira
- Brasil ganhou na loteria dos preços das commodities metálicas. Exemplo: governo chinês decidiu que toda cidade com mais de três milhões de habitantes terá metrô. Pelo menos 72 cidades já estão construindo seu metroviário e outras 100 aguardam entrar no programa. “Quem fornece os insumos metálicos? Estamos na linha de frente. Acompanhar a economia asiática é básico para projeções futuras”;
- A China tem 92 aeroportos em construção (com porte similar a Congonhas) e, a exemplo do que ocorre na Índia e outros emergentes, está em franco processo de urbanização (“O Brasil também, apesar de tal processo ter sido mais forte nos anos 60 e 70”);
- China passa pela chamada ‘demanda por voz’ – a democracia virá de maneira implacável naquele país;
- O crédito para pessoas físicas está ‘bombando’ na China, Rússia, Índia, Europa Central e Oriental e no Brasil (que hoje tem 110 milhões de contas correntes contra as 70 milhões de poucos anos atrás);
- O Brasil fica em 13º/14º lugar nas operações de crédito com taxas baixas para o mercado de consumo. “Conforme projeções, no período 2005 a 2015, teremos mais 800 milhões de pessoas participando do mercado mundial de consumo, com forte demanda por vários tipos de insumos, incluindo alimentos, o que coloca o País como maior produtor de commodities agrícolas e metálicas, à frente dos EUA e Austrália”;
- “Temos, portanto, o maior prêmio da mega-sena e com um ciclo duradouro – dez anos no mínimo – de forte demanda por essas commodities”;
- O FMI confirma: já se registra o mais difuso choque de commodities da história do capitalismo. Nunca tantas delas tiveram seus preços simultaneamente valorizados;
- Brasil possui as melhores características de “global trader” dentre os países emergentes.
O que compramos com o prêmio da mega-sena
- A dívida externa (zerada)
- As reservas (temos R$ 200 bilhões)
- A queda dos juros
- A expansão do crédito bancário
- A sensação térmica mais agradável para empresas e famílias brasileira
- A popularidade do governo de plantão (Lula retirou o prêmio) – “É um luxo para o Brasil ter FHC e Lula – bom para a democracia”
- O grau de investimento (“Índice de vulnerabilidade muito melhor do que o apresentado pelo México ao conquistar seu ‘investment grade”)
- “80% de tudo o que de bom existe hoje foi comprado com esse prêmio de loteria. Nos últimos 15 anos, a política econômica mais acertou do que errou”
Ainda há prêmios receber
- Daqui a cinco anos, as reservas de petróleo brasileiras serão similares às da Venezuela;
- Daqui a 10 anos, o nível de produção nacional poderá superar o da Venezuela.
O que é preciso comprar ainda
- Investir mais em dois setores essenciais: educação e infra-estrutura.
Os riscos que persistem
- O ‘efeito bumerangue’ do crescimento é a volta da inflação pelo canal dos preços das commodities;
- Nos últimos 12 meses, a China registrou 23% de inflação nos alimentos; o Brasil, 14% no mesmo período;
- Preço do petróleo e fertilizantes subindo muito;
- O grande momento da virada chinesa (maio de 2007) coincide com sua contribuição inflacionária para o mundo;
- Para os emergentes, o comportamento das commodities é um bem e um mal.
Condições de superação
- Antes, diante de um barril de petróleo a US$ 140, não sobraria pedra sobre pedra;
- Hoje, melhoria da eficiência energética permite absorver o maior choque do petróleo de todos os tempos;
- Preço do petróleo vai ceder; consumo da China vai desacelerar.
PIB acelerado X inflação
- O que é preferível para o Brasil: ter uma inflação de 8% a 9% ao ano ou um PIB anual de 3,5%?
- É melhor crescer menos do que ter inflação alta;
- A inflação reduz a previsibilidade recentemente conquistada. “Hoje, empresas e famílias fazem planos. Se a inflação voltar a crescer, a inadimplência vem e o crédito vai despencar. Previsibilidade é produtividade”;
- A desaceleração do PIB brasileiro é natural e necessária, até por que o cenário é “mil vezes melhor do que o apresentado de 1997 a 2003”. A baixa volatilidade do PIB é a melhor das últimas décadas;
- Contendo a inflação, o ciclo de investimento será amplo, difuso, e o maior após de muitos anos. “Vamos superar a era Geisel. Nunca tantos setores crescendo tanto.”
Previsões
- Sem medidas, inflação poderá chegar a 6,5% este ano. “Um IGP-M de 9,5% será inaceitável”;
- A taxa de juros brasileira (a segunda maior do mundo) vai subir acima dos 14% ao ano. “Uma ação necessária e temporária.
- Voltará a cair dentro de dois a quatro anos”;
- O Banco Central traz previsibilidade, mas não pode fazer tudo sozinho – “O gasto público é grave, mas deve continuar.
- Sou cético em relação a isso”;
- O câmbio deve ficar em R$ 1,65 até o final do ano, mas, com a queda dos preços das commodities, também vai cair;
- A bolsa de valores brasileira continuará superando largamente os índices de bolsa global e dos emergentes “Que o diga Raymundo Magliano”, (provocou diretamente o presidente da Bovespa, presente à reunião);
- Pesquisa com milhares de empresas revelou que se a taxa de juros subir para 13,25%, para a maioria delas, os investimentos não serão afetados. Se a Selic for de 15,25%, 40% das empresas prevêem queda acentuada em março de 2009 e 33% em maio do mesmo ano. “Ou seja, o ciclo de investimento continuará significativo”.
Conclusões
- Bons momentos são maus conselheiros. “Falta um sentido de urgência na adoção de ações concretas para evitar o mal da inflação e outros problemas”;
- Os recursos políticos são escasso (“Não é um privilégio do Brasil”);
- O ciclo sinocêntrico vai acabar. “Precisamos promover o ‘catching up’, que é muito mais do que avanços acumulativos.
- Precisamos de avanços que não sejam meramente incrementais para não desperdiçar o prêmio da mega-sena que ganhamos”;
- “Disse Victor Hugo: Nada é mais produtivo do que uma idéia cujo momento tenha chegado”;
- “Vai chegar a hora da infra-estrutura e da educação”.
Debates
CORRUPÇÃO – Marcos Arbaitman, presidente da Maringá Turismo, questionou se a corrupção que corre solta em todas as instâncias (União, Estados e Municípios) não está roubando parte consistente do prêmio da mega-sena
Octavio de Barros disse que é possível. “Como macroeconomista, faço uma aposta: a corrupção vai cair ano após ano. As torneirinhas se estão fechando. O dinheiro potencialmente roubável está diminuindo em função da maior transparência na prestação de contas e da imprensa livre. As finanças públicas fecharam o cerco. Hoje se pega mais facilmente. O que aumentou foi a corrupção miúda. Daqui a 20 anos, teremos um nível de corrupção equivalente à dos países desenvolvidos – sim, pois ela nunca vai acabar. O Brasil tem problemas sérios de representação, o que a reforma política poderá resolver. Mas as principais reformas são a da infra-estrutura e a da educação. O resto vem no tempo político possível.”
FALTA DE PROJETO – Carlos Campilongo Camargo, vice-presidente do Secovi-SP, indagou se não faltam projetos para o País. Tanto assim que o BNDES estaria fazendo um fundo para projetos.
Barros afirmou que o atual presidente do BNDES é ‘um craque’ que foca a inovação. Considerou, ainda, que o Brasil tem uma agenda de projetos fantásticos. “A questão é que o PAC não mobilizou o setor privado para jogar o jogo. Manteve o velho modelo de obra no orçamento, que abre campo para o lobby e a corrupção.”
INDEFINIÇÃO E INSEGURANÇA – Adilson Dallari, advogado e professor titular de Direito Administrativo da PUC-SP, disse que, trabalhando com o setor público, vê com maior preocupação a questão da infra-estrutura em face da indefinição e insegurança. O Brasil fez 20% das rodovias necessárias. Nos setores de portos, aeroportos e ferrovia está tudo parado, e o setor privado não investe em razão da falta de segurança jurídica, ainda mais agora, quando as agências reguladoras estão andando para trás.
“Sua reflexão é a minha”, ponderou Octavio de Barros. “O PAC não convidou o setor privado. O que vai dar um salto de eficiência para a infra-estrutura é exatamente a segurança jurídica. Mas estamos numa curva de aprendizado. Como disse Victor Hugo, virá na hora certa. O setor privado está fazendo muito sem esperar o poder público, pois é impensável não promover infra-estrutura. Ela vai acontecer, queira ou não o governo de plantão. O crescimento vai forjar e forçar isto.”
Silvia Carneiro
Assessora de Assuntos Institucionais/Secovi-SP












