Reunião de 13/11/2008
“Cenários e Perspectivas para o Agronegócio Brasileiro”

Ao mostrar que agricultura é muito mais do que a comida que se põe no prato, o engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues faz pensar que, sem dúvida alguma, este é um dos setores fundamentais do País (se não o ‘mais fundamental’).
“Anos atrás, quando presidi a associação do segmento, pensei em fazer uma campanha. Seria um comercial de cerveja, com gente alegre, brindando a vida num bar e, de repente, entraria a imagem dos agricultores plantando cevada. Uma forma de mostrar que tudo passa pela agricultura, inclusive o emprego do garçom. A agricultura gera empregabilidade e produção antes e depois da porteira”, relatou o ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e atual presidente Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp, dentre outras atividades, como a de professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Rodrigues forneceu uma série de informações importantes. “Em 25 anos, o planeta Terra vai ganhar mais dois bilhões de habitantes, a maioria vivendo na zona urbana. Mais pessoas para morar e, principalmente, para comer. E aí vêm as leis que, ignorando as técnicas de sustentabilidade já praticadas pelo setor agrícola nacional, proíbem o corte de uma árvore. As pessoas vão comer o quê?”, questionou.
Considerou, ainda, que há muitos mitos envolvendo a questão do biocombustível, apontado como ameaça à oferta de alimentos. “O que consome os estoques é a demanda, que aumentou muito e em grande velocidade. Não foi o biocombustível, mas a escassez gerada pela alta procura.”
Para Rodrigues, o Brasil tem tudo para produzir e atender à demanda por alimentos e combustível. “Temos o agricultor mais moderno do mundo, terra, tecnologia e recursos humanos. Falta eliminar o constrangimento orçamentário e oferecer crédito rural a taxas de juros adequadas, o que exige visão estratégica do governo. Precisamos do retorno da Política de Garantia de Preços Mínimos – PGPM, que confere segurança ao agricultor e aos bancos que financiam o setor. Isso possibilitará uma grande safra em 2009 e 2010 e permitirá que o Brasil ocupe o espaço ocupado pelos países que vão deixar de produzir.”
Abertura
Paulo Germanos, membro do Conselho Consultivo do Secovi-SP e mestre de cerimônia, salientou que se a agricultura brasileira hoje ocupa posição de respeito, muito deve ao trabalho de Roberto Rodrigues. Na mesma linha se manifestou Romeu Chap Chap, presidente do Conselho, que enfatizou a decisiva atuação do palestrante durante os quatro anos em que conduziu o Ministério da Agricultura.
Roberto Rodrigues
DNA de Agricultor
- Sou agricultor e engenheiro agrônomo, o resto é conseqüência. Pai, mãe, filhos (dois agrônomos), sete netos… Também meus avós. Por parte de pai, meu avô foi um cafeicultor e político influente em Tietê (SP). Veio a crise de 29 e ele havia acabado de comprar uma nova fazenda. Ficou pobre. Morreu de derrame como lenhador, enterrado numa cova rasa. Nunca ouvira falar de Nova York, crack das bolsas… Já meio avô materno foi um italiano que, em 1920, fugiu da miséria que dominava a Europa e veio para o Brasil trabalhar numa fazenda de café. Então, o Banco do Brasil fez a maior reforma agrária do País e vendeu terras para os agrônomos italianos. Assim, o mesmo problema que tornou miserável meu avô paterno transformou em milionário meu avô materno. Isso mostra que, em agricultura, não basta fazer tudo certo se não houver política adequada e a defesa da categoria.
Cinco de dez problemas
- Dos dez problemas para a humanidade nos próximos 50 anos, a agricultura vai resolver cinco deles: energia, água, alimentos, meio ambiente e pobreza (os demais são educação, democracia, população, doenças, terrorismo/guerra – conforme análise de Alan MacDiarmid).
Sustentabilidade
- A sustentabilidade (que envolve o trinômio econômico, social e ambiental) tem conseqüências relevantes para a agricultura. A sociedade tem necessidade de saber como tudo é produzido. Quer rastrear, identificar se o produto é certificado. Podemos perder mercado se não consideramos essa tendência irreversível
Tendências demográficas e aumento da renda
- Em 25 anos, teremos mais 2,1 bilhões de pessoas no planeta – a maioria em zonas urbanas. Diante de leis que proíbem cortar uma árvore do cerrado, inevitável questionar: essas pessoas vão comer o quê?
- Há uma importante transformação da passagem do rural para o urbano. No campo, a mulher cozinha o que produz. Na cidade, a mulher precisa do produto semipronto. Isso significa agregação de valor e temos estar atentos para tal imperativo.
- Pelo menos 85% dos 2,1 bilhões de novos habitantes do planeta estarão nos países emergentes. Isso direciona o fluxo do comércio agrícola para essa região. Entre 2012 e 2013, a renda dos emergentes será maior que a dos países desenvolvidos.
- Outro aspecto é o da longevidade. Em 2000, existiam no mundo 140 mil pessoas com mais de 100 anos. Em 25 anos, os centenários serão 1,5 milhão; 1,6 milhão em 2040.
- A demanda por produtos agrícolas (não só alimentos, mas roupas, etc.), vai aumentar muito. Isso porque agricultura é muito mais que comida. O setor gera empregabilidade e produção antes e depois da porteira. Sem algodão não temos jeans; bota de couro não nasce na sapataria (e boi precisa de pasto); papel não nasce em resma, nem móvel, nem madeira para construção, nem perfume (que exige a flor). Tudo é agricultura.
Estoques
- O crescimento da demanda fez com que os estoques atuais sejam consumidos com maior velocidade, fato que responde pelo aumento dos preços dos alimentos (não é o caso da soja, cujo aumento se deve à especulação financeira).
- Portanto, diferentemente do que se diz, não foi o biocombustível o responsável pela escassez. Nos últimos sete anos, foram consumidas 120 milhões de toneladas a mais do que foi produzido.
- O Brasil produz excedentes para abastecer os estoques mundiais, contribuindo para a redução da inflação dos alimentos e para a mitigação da fome. Mas precisamos crescer mais, pelos menos 45%.
Biocombustível
- O Século XXI marca o início de uma nova Era. O maior desafio da humanidade será diversificar as fontes de energia. Até 2030, a demanda mundial por energia deverá crescer 58% – ou seja, mais que a demanda por alimento.
- Por questões ambientais, buscam-se energia limpas, como a solar, o biocombustível e o etanol, que têm impacto muito menor no aquecimento global. Na matriz energética, o Brasil tem 48,5% de energia renovável (o mundo tem apenas 12,7%, o que gera grande inveja).
- Biocombustível e agroenergia dependem unicamente do sol. E onde tem sol? Entre os trópicos de Câncer e Capricórnio (América Latina, África, Filipinas, Camboja). Aliás, a cana é asiática.
- Cana e celulose serão produzidos nos países tropicais, que são mais pobres e onde a população e a renda crescem mais. Cana é gramínea, não concorre com outros alimentos, como leguminosas. E pode gerar mais empregos e renda nesses países, que passam a fornecer para a América do Norte.
- Se a segurança alimentar foi o desafio do Século XX, a segurança energética é o desafio do Século XXI. Esses países vão produzir as commodities mais importantes, o que vai mudar a geopolítica do mundo.
- A demanda da China e da Índia por combustível vai explodir perigosamente em 2015.
Por que o biocombustível?
- O biocombustível proporciona ganhos ambientais (seqüestro de carbono) e renovabilidade (ciclo de produção curto e controlado pelo homem). Tem efeitos econômicos (impacto na balança comercial), sociais (geração de empregos e desconcentração da renda) e políticos (democracia).
- O etanol reduz em 82% a emissão de CO2 (apenas 11% da gasolina normal). Tais vantagens instigam questionamentos por parte de quem não entende nada. Dizem que vamos acabar com a comida, destruir a Amazônia.
- Tudo isso é falso. O Brasil tem 340 milhões de hectares de área agricultável e, deste total, só 5% para cana. A área de pastagens corresponde a 172 milhões de hectares. E ainda há uma área disponível para a agricultura da ordem de 96 milhões de hectares, e desses uma parte muito pequena é adequada à plantação de cana. Aqui não há competição. Há sinergia.
- Na verdade, somos uma ameaça real para conquistar mercados no mundo. Graças à tecnologia, podemos facilmente dobrar a área plantada de grãos e multiplicar por seis a produção de cana. Temos solo e clima adequados para produzir cana sem irrigação. Não precisamos avançar na Amazônia, nos cerrados – seria uma burrice logística. Há terra suficiente para abastecer 35% da gasolina do mundo. Mas também temos tecnologias consistentes para explorar sustentavelmente a Amazônia e o cerrado. Precisamos ter uma floresta que valha mais em pé do que derrubada. O que necessitamos, mesmo, é derrubar uma série de mitos, gerados sem base de informações concretas.
- A área de etanol dobrou e vai dobrar novamente. O bagaço resultante do processamento da cana representa 30% do volume total e é matéria-prima para a produção de bioeletricidade. Entre 2012/1013, o potencial de bioeletricidade no Brasil será suficiente para fazer os resultados de uma Itaipu.
O agronegócio no Brasil
- O setor (agricultura e pecuária) respondeu por 25% do PIB de 2007 (R$ 624 bilhões). O saldo comercial é superavitário e o emprego de tecnologia resultou em aumento de 93% da produtividade média (período de 1990/1991 a 2007/2008). A produção de grãos, em milhões de toneladas, cresceu 13%, e a área plantada aumentou 26%.
- Significativo crescimento também ocorreu na produção de carnes: bovinos + 83%, suínos + 130% e frango + 219%. Aliás o frango é a síntese da cadeia produtiva do agronegócio. Sem ovo não tem frango, mas sem milho também não.
- Mesmo sem acordo com a OMC e mediante a falência da Alca, nos últimos dez anos, as exportações cresceram 113% (soja) e 545% (carnes). E as projeções para 2018/2019 são positivas.
A falta de uma política agrícola
- Somos fantásticos em tecnologia e eficiência, mas um desastre em política agrícola (Doha trancado há anos).
- O Ministério da Agricultura projetou um crescimento, mas acho a previsão conservadora. Temos terra disponível, recursos humanos e o agricultor mais moderno do mundo. Muitas mulheres atuam no setor e cresce o número de jovens se dirigindo ao campo.
- Porém, há uma série de constrangimentos que impedem um avanço maior. Constrangimentos orçamentários; falta de crédito rural a taxas de juros adequadas; taxas de câmbio; falta de infra-estrutura para escoar safras (ferrovias, estradas portos); dificuldades no comércio exterior e nas negociações do Itamaraty; limitações de ordem ambiental; e as invasões. Cada um desses constrangimentos tem um ministério correspondente.
- Qualquer crise agrícola, portanto, não pode ser resolvida pelo ministério da área. Ou seja, não há uma visão estratégia. Temos notável potencial de crescimento. A Embrapa é formidável (diariamente recebe estrangeiros interessados em aprender com ela). Mas não há estratégia. Ninguém conversa com ninguém, os vários organismos não se articulam.
- A falta de um projeto nacional se deve a essa desorganização, que também se vê no setor privado. Nos Estados Unidos, o lobby do setor no congresso nacional alcança 2% dos parlamentares. Aqui temos 8% e não conseguimos nada.
A crise mundial
- Temos a safra mais cara dos últimos anos (custos médios 35% superiores). O crédito menor e o custo maior indicam menor produtividade em 2009.
- Isto é ruim, mas há um cenário pior: os preços agrícolas caírem nos próximos anos. Parece improvável, mas pode acontecer.
- Se a crise se estender, os países emergentes serão afetados, e aí será o caos, uma tragédia sem precedentes na história moderna. Imaginem o Brasil em 2010, com inflação de alimento e queima de reservas, tudo isso em razão de uma safra mal-remunerada.
Solução
- A saída é adotar no País uma Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), o que já foi feito pelo governo, que compra, compensa, empresta, enfim, confere suporte à produção agrícola.
- A PGPM é a arma que precisamos para enfrentar essa guerra, razão pela qual insisto com o governo para ressuscitá-la, imediatamente. Isso fornecerá segurança aos agricultores para produzir e aos bancos para emprestar.
- Preço mínimo e recursos orçamentários são fundamentais para que possamos garantir uma grande safra em 2009 e 2010. Assim, o Brasil vai ocupar o espaço deixado pelos países que vão parar de produzir. Temos capacidade de responder à demanda interna e externa.
O NAT
- Fico feliz em falar para os membros do NAT. É um público especial, diferente de falar para os meus companheiros de setor. Se cada um de vocês divulgar o que aqui discutimos teremos um grande número de pessoas sabendo um pouco mais sobre agronegócio, etanol, etc.
- O NAT coloca no ombro de todos compromisso e responsabilidade. Isso me faz lembrar um antigo tango que dizia que temos de fazer hoje para não chorar depois o que não foi feito. É isso que o NAT quer e faz.
Debates
PROPRIEDADE – João Crestana, presidente do Secovi-SP, registrou sua admiração por Roberto Rodrigues, notadamente pela defesa que faz do direito de propriedade, não só de bens, mas de nossa individualidade.
O GOVERNO SABE? – Paulo Germanos, conselheiro do Secovi-SP e coordenador dos trabalhos, questionou se o presidente Lula conhece os dados apresentados por Roberto Rodrigues.
Já falei com ele 25 vezes. Ele sabe. É inteligentíssimo. O problema é convencer a equipe interna dentre tantas prioridades.
Paulo Germanos – E o que podemos fazer para remover obstáculos, os quais incluem movimento sem terra, ideologias e outras adversidades que geram insegurança jurídica? Como o setor sobrevive?
Como é que o agricultor continua trabalhando? É complicado. Que homem é este que pega um grão, põe debaixo da terra achando que vai germinar e crescer sem dificuldades, que depois ele vai colher, pagar os impostos? O agricultor é um homem de fé. Aliás, a parceria mais perfeita da história da humanidade é entre Deus e o agricultor. Ele deu a vida, o agricultor permite que ela siga, e sempre acreditando naquela frase milenar: “o ano que vem vai ser melhor”.
O que fazer? Há anos procurei uma agência para valorizar a agricultura. A proposta era fazer 20 filmes (jeans, cerveja, pneus e outros artigos que só existem graças à agricultura). Era 1996. A agência fez um projeto fantástico: Jorge Benjor, praia, mocinhas, cerveja e…..break para uma pessoa plantando cevada. A mesma cena num bar. Uma campanha para rádio, TV, revistas e jornais, a um custo de R$ 2 milhões. Pensei que se 40 empresas topassem seria fácil viabilizar. Enviei cartas para 60 na Sociedade Rural Brasileira. Apareceram três cooperativas… Fiquei perplexo. O México acabou com a aftosa assim.
O que falta é um sentimento nacionalista, de nossa sociedade urbana compreendendo que sua vida se deve às milhares de pessoas que estão produzindo alguma coisa para a gente consumir. Pessoas que sabem apenas que nós não sabemos delas.
GIBI – Paulo Germanos lembrou a realização de um gibi que apresenta didaticamente o conteúdo de livro de autoria do professor e filósofo Denis Lerrer Rosenfield sobre direto de propriedade. Sugeriu que, por intermédio do NAT, se estudasse a elaboração de publicação semelhante para a agricultura. “Uma forma de sair da inércia para mudar a mentalidade. É hora de levar ao Congresso a defesa do preço mínimo. Se não fizermos isto hoje, pode não haver comida amanhã.”
SEMELHANÇAS – Romeu Chap Chap considerou que, lamentavelmente, o tipo de situação enfrentada por Roberto Rodrigues com seus pares setoriais se repete em outros segmentos produtivos. “Quando a união é necessária, a classe não comparece. Concordo com a proposta do Paulo Germanos. A hora é esta.”
CNA – Leôncio de Souza Brito Filho, da Comissão de Assuntos Fundiários da CNA, lembrou que a senadora Kátia Abreu foi eleita para presidir aquela entidade. “A idéia do gibi já foi discutida com ela por ocasião de visita que fez ao Secovi em janeiro deste ano. A proposta é muito boa.”
PREÇOS MÍNIMOS – Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) – e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda -, ressaltou que não há pessoa com maior credibilidade que Roberto Rodrigues, no governo ou no meio privado. Considerou que o crédito não está chegando para ninguém e indagou como fazer para que os esforços do governo cheguem ao setor de fato. Questionou ainda se a política de preços mínimos (guardada desde 1970), em razão do desuso, não prejudicaria o processo, “pois precisamos de medidas para amanhã.”
Começo pela segunda questão. O mencionado desuso é relativo. A Conab tem uma matriz de cálculo no computador. É questão de minuto para fazer um acompanhamento de preços. A execução da política é crucial e depende de Orçamento. Há dois meses tento falar com o governo, pois a agricultura tem um tempo certo. A execução dessa política é rápida. A Conab está pronta e as unidades do governo preparadas. O que precisamos equacionar primeiramente é o crédito. Com preços mínimos, os bancos emprestam (nos EUA, o agricultor recebe um cheque do governo pelo correio). Há segurança. Mas também são necessários recursos do Orçamento e – não menos complicado – a liberação desses recursos.
Há dívidas antigas que não foram resolvidas. Muitos bons agricultores sem condições de trabalhar. Já não há mais fila para a compra de tratores. Multinacionais que faziam o hedge, em função da crise mundial que atingiu suas matrizes tiraram o apoio ao produtor. Temos ainda as dificuldades cambiais. A solução é renda para o produtor lá na frente. Foi por isso que criei o seguro rural.
Silvia Carneiro
Assessora de Assuntos Institucionais/Secovi-SP










