Reunião de 17/6/2013

Juízes e Justiça: como aperfeiçoar o Poder Judiciário


Eliana Calmon Alves, a primeira juíza togada a fazer parte de um tribunal superior e a primeira mulher a integrar o Conselho Nacional de Justiça, foi a convidada do Núcleo de Altos Temas, NAT, para reunião realizada na sede do Secovi-SP em 17 de junho, sob o tema “Juízes e Justiça: Como aperfeiçoar o Poder Judiciário”. Seu nome foi catapultado à cena nacional após ter descortinado para toda a sociedade o problema da impunidade na magistratura. “Neste País tão carente de líderes que defendam a moral indispensável ao processo civilizatório, a ministra Eliana Calmon se destaca de uma forma até mesmo consoladora”, disse o presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes.

Com o destemor peculiar de quem está disposto a fazer valer esses princípios, Eliana Calmon denunciou, em 2011, aquilo que chamou de “bandidos togados”, abrindo as portas de uma discussão necessária à sociedade: as práticas que dividem os cidadãos em duas categorias, a dos que têm e a dos que não têm acesso a juízes para os chamados embargos auriculares. “Como em todos os segmentos, temos homens bons e homens maus. Infelizmente, há bandidos infiltrados que fomentam a corrupção. Porém, quando estes ocupam a única instância de onde se espera que se faça justiça, estamos diante de integral perda de referências e de valores. Enfrentar esses bandidos é tarefa de todos nós. Uma tarefa que se torna menos árida quando amparada por pessoas como a ministra, que vem nos mostrar que o Brasil não está perdido”, emendou Bernardes.

Romeu Chap Chap, coordenador do NAT, lembrou a trajetória da magistrada. Nascida em Salvador, graduou-se pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, em 1968, tornando-se especialista em Processo em 1982. Foi advogada, professora de Direito Civil e Processual Civil, compôs quadro da Subprocuradoria-Geral da República no Distrito Federal e do Ministério Público Federal, foi juíza federal e, em 1999, foi promovida ao STJ. Entrou para o Conselho Nacional de Justiça em 2008. Em 2010, tomou posse como corregedora nacional de justiça e, desde o ano passado, acumula e exerce temporariamente a função de vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça. “Merecidamente, nossa convidada recebeu homenagens, condecorações e vários prêmios, dentre eles, em 2005, o de mulher mais influente do ano no segmento jurídico, promovido pela Revista Forbes”, disse Chap Chap.

Entendendo o Poder Judiciário – Ao apresentar-se, Eliana Calmon fez menção ao fato de suas ações à frente do Conselho Nacional de Justiça ter desencadeado uma série de reações negativas por parte da sociedade e do meio jurídico. “Fui chamada de falastrona e mentirosa, que queria acabar com o Poder Judiciário”, disse. A razão do alarido: a atuação da ministra contra o corporativismo nos tribunais. “O corporativismo é uma visão ideológica. Ideologicamente você parte para defender o Poder Judiciário, e você começa a não ver nada que está ao seu redor. Você não vê sequer a corrupção entrando nas portas da Justiça, pois acha que, para defender o Judiciário, é necessário manter o magistrado imune às críticas da sociedade e da imprensa”, afirmou ela em 2011, durante a 9ª Reunião Plenária Anual da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro, havida em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul.

A trajetória da ministra – com passagens por tribunais e procuradorias – conferiu-lhe visão holística do funcionamento do Poder Judiciário. “Quando entrei na magistratura, em 1979, fiquei com a ideia de que seria livre que como procuradora. Tive problemas de liberdade lá: naquela época, a Procuradoria Geral da República era uma espécie de assessoria do Ministério da Justiça”, disse, emendando que a PGR estava “subordinada ao Poder Executivo”. Calmon tornou-se juíza em tempos em que a Constituição abria margens para interpretar que o “juiz estava à mercê do poder, a serviço da elite dominante”. Enquanto isso, segundo ela, “nos países desenvolvidos, o Poder Judiciário já se apresentava como poder fiscalizador do Executivo e do Legislativo; era o fiel da balança que garantiria que os demais poderes serviriam à Constituição”.

A promulgação da Carta Magna de 1988 representou uma ruptura nos contornos da atuação do Poder Judiciário, cessando seu “comportamento napoleônico”. A partir de então, o juiz foi transformado em um fiscal de políticas públicas e das ações realizadas pelo Legislativo e Executivo. “Lamentavelmente, não nos apercebemos da mudança radical da Constituição”, afirmou a ministra. De acordo com ela, mesmo com as competências elencadas na nova Carta, todas as associações sob o guarda-chuva do Judiciário encetaram uma visão “puramente corporativa” da categoria. “Essa gente sempre esteve na cúpula do Poder Judiciário, na zona de conforto”.

Confusão ideológica – No fim da década de 80 e início dos anos 90, uma multidão recorreu ao Poder Judiciário a fim de reaver prejuízos decorrentes da era Collor. “As pessoas buscam no Judiciário a última fronteira de um direito agredido. Como estávamos completamente fora daquilo que ocorria no mundo [em termos de funcionamento dos tribunais], não conseguimos dar conta. Dentro desse novo modelo, não tínhamos formação para atender às massas”, lembrou Eliana Calmon, para quem o momento foi ideologicamente confuso, pois os juízes, em sua maioria, viam a questão como de foro exclusivamente político. “Estavam errados! Até então, pensava-se que justiça e política não se misturavam – tese derrubada à medida que o Estado passou a ser cobrado por direitos básicos do cidadão”, afirmou, aludindo ao fato de muitos passarem a recorrer aos tribunais para ter acesso a hospitais e medicamentos.

Em 2004, desperdiçou-se, ao ver da magistrada, a oportunidade de fazer uma profunda reforma do Judiciário. “Desceu-se a detalhes comezinhos, como, por exemplo, determinar por emenda que processos fossem distribuídos imediatamente”, disse a ministra. Com uma exaustão dispensável, debateu-se a questão do controle externo sobre um Poder até então intocável. Desse certame surgiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão com metas definidas para galvanizar a melhoria da Justiça, conquanto tenha enfrentado muitos estorvos – e os enfrenta até hoje. “Caminhamos com muitas dificuldades, porque há tribunais que se negam a dar dados”, disse, aduzindo que parte dos juízes “querem voltar à era bonapartista” do Judiciário – ou seja, rejeitam ser fiscalizados.

Eliana Calmon combateu esse expediente no CNJ. “Impunidade vira exemplo. Mas, no momento em que comecei a instalar processos, chegaram juízes de todo o País para fazer denúncias e pedir providências”, afirmou. A ministra relatou um caso emblemático: um juiz que enfrentava resistência do próprio tribunal em que exercia sua magistratura para instaurar processo contra Carlinhos Cachoeira. “A gente vê que as coisas podem mudar”, disse a magistrada, comemorando o fato de o juiz ter denunciado o assoreamento do qual era vítima. Ele recebeu respaldo de Eliana Calmon para dar andamento ao processo.

Nova era – A ministra deposita sua esperança de um novo Judiciário na área de educação, em iniciativas como a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), dirigida por ela desde novembro do ano passado. A proposta da escola é dar aos juízes conhecimento sobre a estrutura dos demais poderes da República e do País como um todo. Os participantes são conscientizados das implicações de suas decisões e entendem como podem impactar a sociedade, a qual está sendo trazida para mais perto desses novos juízes por intermédio dessa iniciativa. “Não se pode mais conceber a ideia de magistrados que sejam meros fazedores de processos, sem chefes e limites, gozando apenas de um emprego maravilhoso, repleto de privilégios”, acrescentou a ministra.

Nesse âmbito, abre-se caminho para uma mudança de cultura no Judiciário. Segundo a ministra, muitos novos magistrados mostram-se praticamente subservientes a superiores, pois não vislumbram meios de angariar promoções na carreira “sem agradar a cúpula”, instrumento que, direta e indiretamente, acaba fortalecendo práticas corporativistas. A alienação desencadeada por essa condição acabaria, lá na frente, servindo de verniz a eventuais fatos escusos, como se tal cumplicidade servisse de moeda de troca.

“A preocupação da Enfam é formar agente político. Os juízes têm de aprender que o Poder Judiciário não é descolado dos demais. Precisam entender que ele dá respostas a uma sociedade”, pontuou a ministra, indicando a ideia que ampara e dá um norte à escola, que, segundo ela, pode constituir uma nova era no Judiciário. “Precisamos quebrar o modelo posto. Juiz é agente político, por isso não pode ficar com a vida na mão dos tribunais”, ressaltou, ao enfatizar a importância de os magistrados agirem com independência e julgarem de acordo com suas consciências. “Juízes não têm respeito; têm medo. Os tribunais não dão exemplo, não são admirados”.

Denis Lerrer Rosenfield, filósofo, indagou como evitar que a equação política-judiciário, lecionada na Enfam, induza os novos juízes a caírem no embuste do direito alternativo. “É preciso dizer a eles que há limites. A fundamentação da sentença não pode ser pessoal; é um ato de inteligência do técnico do Direito”, respondeu a magistrada.

“Sou vencedora” – Calmon não almeja vaga no Supremo Tribunal Federal. Devido ao caminho político que é necessário ser percorrido, a ministra não se vê com disposição para atingir tal posição. Além disso, a idade-limite de aposentadoria do STF é de 70 anos, e ela completará 69 em novembro. “Sou uma vencedora dentro do Poder Judiciário. Cheguei ao topo da minha carreira com as mãos e consciência limpas. Não mercantilizei minha atividade”, concluiu.

Leandro Vieira
Assessoria de Comunicação/Secovi-SP

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