Reunião de 22/1/2015

“O futuro do Poder Judiciário”

“Para resolver a crescente judicialização, precisamos de uma revolução. Ou o STF assume função de intérprete da Constituição, ou façamos uma nova Constituição”

O processo de judicialização vivido pelo Brasil e os altos custos que esse fenômeno implica ao País foram os principais temas da primeira reunião do NAT de 2015, ocorrida na sede do Secovi-SP, em 22 de janeiro. José Renato Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do mundo, foi o palestrante convidado.

Romeu Chap Chap, coordenador do NAT, frisou um desejo renitente do magistrado. “Hoje, Nalini nos brinda com exposição sobre tema da maior importância: o futuro do Judiciário. Para ele, a reforma da Justiça brasileira é indispensável para reduzir o custo Brasil, que tanto amedronta e afugenta o investimento externo”, disse.

O desembargador iniciou sua apresentação focalizando a fonte do constante desaguamento de ações nos tribunais Brasil afora. Há, hoje, cerca de 100 milhões de processos em curso em nível nacional; 25 milhões deles tramitam no Estado de São Paulo.

“Nosso modelo é o do advogado do litígio. Isso leva à indústria do dano moral, fazendo com que o Judiciário seja mal utilizado. Nossos advogados não podem ser artífices de guerra”, disse Nalini, em referência ao pouco estímulo que se dá a soluções alternativas de resolução de conflitos, como conselhos de arbitragem e câmaras de mediação.

O presidente do TJ-SP salientou, ainda, que esse volume de ações é resultado também do mau uso da Justiça pelo Poder Executivo, origem de milhões de processos de execuções fiscais e dívidas ativas da União, estados e municípios. “Dos 25 milhões de processos em São Paulo, 14 milhões são execuções fiscais. Dá pra funcionar uma Justiça assim? O povo paga R$ 1.800,00 em uma execução fiscal, e temos, muitas vezes, execuções cobrando R$ 30,00. Ou seja, gastamos dinheiro para sequer recuperar aquela ínfima importância”, salientou.

Caminhos alternativos – A exposição do desembargador veio ao encontro de questões formuladas pelo presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, consubstanciadas em artigo publicado pelo desembargador no Estadão (“A era da produtividade”), o qual evidencia: “A normatividade não é mais o parâmetro definitivo e estável para a resolução dos conflitos. A lei é um dos fatores a serem levados em consideração. Todavia não é o único nem o mais importante…”; e mais adiante, “a possibilidade de escolha de uma jurisprudência ‘à la carte’, aplicável à tópica submetida à análise do julgador, que tem à sua disposição várias leituras sobre o mesmo texto normativo.”

“Permito-me, na qualidade de engenheiro, talvez não ter entendido o exato alcance dessas palavras, mas, salvo melhor juízo, este conceito poderia ser traduzido em dois pontos principais: 1) cumprir as leis e os contratos não é mais suficiente nas relações que se desenvolvem na sociedade; 2) para o mesmo fato, juízes diferentes podem facilmente dar sentenças diferentes, o que não garante uniformidade às decisões e, possivelmente, pode trazer injustiça. Parece que se trilharmos o caminho da relativização da lei e dos princípios fundamentais do direito, a sociedade passará a correr permanente risco de ver usurpados seus valores mais fundamentais.”

Bernardes também destacou a mediação e a conciliação como fundamentais para desafogar o Poder Judiciário: “Existem meios eficientes para solução dos conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem, que devem ser mais bem trabalhadas. Aliás, vale ressaltar que, na Câmara de Mediação do Secovi-SP, 90% dos casos resultam em acordo, conduzidos com neutralidade por mediadores credenciados. Além da rapidez, o desgaste interpessoal que, inevitavelmente, surgiria com a demanda judicial, é muito menor”, adicionou.

País da hermenêutica – Nalini lembrou que a Constituição de 1988, como resposta aos anseios a liberdades tolhidas durante os anos de regime militar, procurou acolher todo tipo de pretensão. “Isso resultou em uma Carta que não quis fechar questão em quase nada. Ela traz algumas sinalizações e acolhe valores antípodas e antagônicos”, disse.

Como exemplo, citou o direito de propriedade. “A propriedade, desde os romanos, sempre foi um direito absoluto. Ela permite ao seu titular não só sua utilização, mas também a destruição do bem. Só que, ao lado do inciso que trata desse direito, temos o que fala da hipoteca social – ou a função social da propriedade. Como é que você compatibiliza o direito da moradia – que, segundo alguns, é superior ao direito de propriedade –, em contraposição ao titular do direito dominial?”.

Ainda à luz de valores constitucionais que colidem, mencionou a transparência e a privacidade; e a ordem e a liberdade. “Tudo isso, na prática, faz com que nós sejamos a república da hermenêutica. Vale a interpretação de cada um, podendo dar a explicação que quiser, desde que haja uma fundamentação.” Para Nalini, esse cenário evidencia a inviabilidade do pleito de segurança jurídica na forma de previsibilidade das decisões.

Reforma – “Se nós não pensarmos em uma profunda reforma estrutural do sistema, preparem os bolsos, porque temos expertise em saber crescer”, alertou o magistrado, firmando-se em projetos em curso no Legislativo com a intenção de criar mais comarcas, varas e milhares de cargos – uma tendência que entra na conta de nossa cultura patrimonialista. “Muitas vezes o poder de um juiz é avaliado pelo número de seus subordinados. Nós, juízes, ainda falamos meu cartório, meu gabinete, meus oficiais de justiça…”

Nalini propugnou procedimentos mais simples, de forma a dar celeridade nos trâmites da Justiça. “Os processualistas falharam conosco. A Constituição fala que processo é, sim, iniciativa da União; mas procedimento pode ser legislado em nível estadual. Por que São Paulo não pode ter procedimento mais ágil, uma vez que possuímos tecnologia disponível, os melhores cérebros, as melhores universidades?”, provocou. “A cada tentativa nossa de melhorar procedimentos, surge um obstáculo processualista, dizendo ‘isso é processo’”.

Nesse sentido, em 6/2, na inauguração do ano judiciário, no Tribunal de Justiça de São Paulo, será anunciada a informatização total do Poder Judiciário paulista. “Vai ser primeiro no mundo totalmente informatizado. Isso vai fazer com que São Paulo avance anos em apenas um ano”, comemorou o desembargador.

Por fim, Nalini ponderou que a sociedade precisa fiscalizar mais a Justiça. “Nem sempre a magistratura tem condições de um olhar isento. O julgamento é um ato solitário e, multiplicado e rotinizado, não permite devaneios. Já os atores institucionais têm contato com a realidade, além de expertises específicas. Podem e devem se interessar pela otimização do Judiciário, o qual, antes de expressão da soberania estatal, é serviço público custeado pelo povo.”

“Para resolver a crescente judicialização precisamos de uma revolução. Cabe ao advogado buscar conciliar e aconselhar as partes a não ingressar numa aventura judicial, confiando na benevolência de um ‘estado babá’ (estamos sustentando também a ‘bolsa justiça’). Além disso, ou o Supremo Tribunal Federal (STF) assume função de intérprete da Constituição (seja a Corte Constitucional), evitando que se possa recorrer de uma decisão quatro, seis vezes, ou façamos uma nova Constituição, enxuta”, sentenciou.

Leandro Vieira
Assessoria de Comunicação

Galeria de Fotos

Download – Apresentação José Renato Nalini

Download – Pronunciamento Romeu Chap Chap

Download – Pronunciamento Claudio Bernardes