Reunião de 25/7/2012

“Insegurança Jurídica – Cenários e Perspectivas”

“A insegurança jurídica tem várias implicações. Mas a principal base a considerar é a Constituição. Nela, os legisladores buscaram brindar todos os tipos de interesses. Acabaram colocando no papel algo inviável na prática, dadas as sobreposições que se originaram”. Essa análise foi feita em julho de 2008 por Luiz Flávio Borges D’Urso, então presidente titular da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), hoje presidente licenciado da entidade. Na mesma ocasião, sustentou que o bom funcionamento das instituições brasileiras é amparado pela divisão tripartite de competências: Executivo, Legislativo e Judiciário, e afirmou: “Se cada um ficasse nos limites de suas atribuições, seria ótimo. Porém, o que há é um avanço de um poder sobre o outro”.

Foi dessa forma que o coordenador do Núcleo de Altos Temas (NAT), Romeu Chap Chap, focalizou o assunto da última reunião do grupo, realizada em 23 de julho de 2012: a insegurança jurídica, cujos efeitos são danosos ao desenvolvimento do País. No encontro, o palestrante foi Régis de Oliveira – professor-titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) –, acompanhado de Luíz Flávio Borges D’Urso. Dentre os presentes, o candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PRB, Celso Russomanno.

Cláudio Bernardes, presidente do Secovi-SP, contextualizou o problema da insegurança jurídica no mercado imobiliário recorrendo ao exemplo de um empreendedor que encontra um terreno, certifica-se sobre a legalidade da documentação e efetua sua compra. Depois verifica o que a legislação permite ser ali edificado, o zoneamento, a preservação ambiental e outra infinidade de aspectos. Tudo estando de acordo com a lei e com as normas, o empreendedor investe no desenvolvimento do projeto, em pesquisas para definir o perfil do público-alvo e determinar o produto.

Com o projeto finalizado, inicia-se o périplo de aprovações e todas as etapas burocráticas inerentes a ele. Tudo aprovado, vem a fase de lançamento e os investimentos em publicidade, financiamento e outras ações que exigem mais recursos. O empreendedor está tranquilo, pois tudo está dentro dos conformes. Finalizada a obra, é hora de obter o habite-se para a entrega das unidades e o repasse dos financiamentos. “Porém, de repente, em qualquer ponto desse processo, surge uma ação do Ministério Público pleiteando na Justiça o embargo da obra. Este mesmo sistema Judiciário, que por vezes não pune os reais infratores como se esperaria, pune aqueles que cumpriram a lei. O que está acontecendo?”, questionou Bernardes.

Romeu Chap Chap, adicionou que segmentos de longo prazo, como a indústria imobiliária, são regularmente pegos de surpresa com repentinas mudanças nas regras do jogo. “De repente, é para fazer gol com a mão. Esqueça o pé. Ele só serve para a corrida”, disse. “E não adianta falar em direito adquirido. É como se esse princípio não existisse”, emendou.

Ainda de acordo com Chap Chap, as vozes que se levantam para clamar por soluções ainda são uma raridade. “[são] poucos os que tornam públicas a sua indignação e demonstram, inclusive tecnicamente, quanto isso prejudica o desenvolvimento nacional”. Para ele, hoje, no Brasil, vive-se sob o império da imprevisibilidade – o mesmo que reinou absoluto quando o maior problema do País era a inflação descontrolada. “Não podemos mais conviver com aquela máxima do passado imprevisível. Isso tem um custo para o Brasil”, concluiu.

Régis de Oliveira

A fim de explicar as origens da insegurança jurídica, Régis de Oliveira construiu um liame entre o cenário que temos hoje e narrativas filosóficas e mitológicas.

Explicou o professor que, de acordo com a mitologia grega, Zeus, após vencer a batalha contra seu pai Cronos, tornando-se senhor do universo, dividiu o poder em três: entregou o mundo dos mortos a Hades, os mares a Poseidon e ele mesmo, Zeus, ficou com os céus. Estava aí consumada a primeira segurança jurídica: cada um fazendo e cuidando de algo, segundo o princípio da tripartição de poder.

“Já hoje, há uma mistura absoluta dos poderes. Isso acontece na família, quando mãe colide com o pai, em diversos momentos de nossa vida privada e em todos os setores da vida pública”, disse Régis. “Quando há a esperança de que nada vai acontecer, as pessoas agem como querem; quando há o medo, não agem”, explicou. O professor recorreu ao episódio do mensalão. “Quando se acha que nunca vai ser descoberto, age-se até as últimas consequências”. E acrescentou: “No cerne deste episódio, temos o Executivo avançando sobre o Legislativo”.

Ainda na linha teórica, Régis citou Tomas Hobbes (século XVI), filósofo inglês cuja teoria confluía na defesa do pacto através do qual os homens abrem mão de tudo a fim de entregar ao Estado a regulação das relações entre os indivíduos. Eis o Absolutismo.

Depois, mencionou John Locke (séculos XVII e XVIII), filósofo inglês que defendeu outro pacto: o ser humano abre mão apenas da segurança e a entrega ao Estado. Todos os demais direitos – como vida, propriedade e liberdade – são integralmente conferidos à sua sorte e responsabilidade. Eis o Liberalismo.

Ao longo de sua história, o homem foi construindo resistência ao poder absoluto a fim de valorizar a dignidade humana. É daí que nasce o princípio da segurança jurídica, segundo o qual os homens abrem mão de seus direitos mediante garantias do Estado.

Desse modo, opta-se pela distribuição dos poderes, um sistema incompatível com a surpresa e garantidor da segurança jurídica. No entanto, disse o professor: “Hoje há uma total insegurança jurídica no país. O Congresso Nacional está esfacelado, sua representatividade política está falida. O Código Florestal é emblemático. O Congresso manda um texto ao Executivo. A presidente veta alguns artigos e, no dia seguinte, cria normas sobre o que vetou. Como ter segurança jurídica assim?”.

Outro exemplo mencionado por Régis foi a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a união estável de homossexuais e no que diz respeito à greve no serviço público. Como não há normas que regulem esses expedientes, os ministros optaram por, no primeiro caso, seguir o consenso de se saber lidar com as diferenças; no segundo, determinar que se adotasse a regra trabalhista válida para as empresas privadas. “O STF vem estabelecendo normas em virtude da falta de leis e pela omissão do legislador. Como fica a questão do aborto de anencéfalos? E as pesquisas com células-tronco? O Supremo autoriza, mas e se amanhã vem o Congresso e cria leis que dizem o contrário da norma do STF?”, questionou Régis.

Uma proposta feita por Régis foi a implementação de um sistema de democracia representativa. “Precisamos criar um novo Congresso, não proporcional, mas representado por corpos, segmentos da sociedade”, sustentou. Um exemplo usado pelo professor foi o dos Estados Unidos, onde o congressista é eleito para defender abertamente a bandeira da classe que o elegeu, sem nada esconder.

“A classe empresarial reclama, mas não age. Se os grandes empresários de São Paulo criarem soluções, estejam certos de que o Brasil o seguirá”, finalizou.

Luiz Flávio Borges D’Urso

Segurança jurídica, na definição do presidente licenciado da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), é a previsibilidade de que precisamos ter por parte do Estado. “Insisto nisso com o paralelo de uma partida de futebol”, disse D’Urso. “Você vai a campo sabendo que as regras valem por 90 minutos. Se mudar alguma coisa nesse meio tempo, bagunça tudo”. E metaforizou: “O cidadão absorve e confia nas regras, que elas serão imutáveis por um tempo e, de repente, é surpreendido por mudanças. Com base nas regras predeterminadas, planeja-se a ação, se faz investimentos etc. No entanto, se a regra muda, o resultado muda. E ninguém empreende para ter prejuízo”.

D’Urso fez ecoar sua indignação em relação às Medidas Provisórias que o Executivo envia constantemente ao Congresso. Afirmou que esse abuso ocorre desde a época de Fernando Henrique Cardoso, continuou com Lula e permanece no governo Dilma. MPs deveriam ser editadas apenas para casos de urgência e relevância, “não servir de gatilho para o chefe do Executivo legislar sobre tudo”, criticou.

Os critérios – ou a falta deles – para admissão dos membros que compõem a Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional também foram torpedeados por D’Urso: são admitidos congressistas sem nenhum conhecimento jurídico. A consequência disso é que, aprovada uma nova lei na CCJ, o cidadão fará sacrifícios para se adequar a ela. “Se em qualquer momento o Supremo Tribunal Federal for provocado a se manifestar sobre essa nova lei e os ministros a declararem inconstitucional, quem irá ressarcir o prejuízo?”.

D’Urso também questionou a proliferação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). “É um desserviço à Nação. CPI deveria servir para apurar casos específicos e dar respostas ao País, não a oportunismo de parlamentar que quer vitrine na imprensa”, pontuou. “Na maioria das vezes os resultados da CPI são inócuos, pois as provas não dão base ao processo de condenação, mas apenas aos apelos midiáticos”, complementou. D’Urso lembrou que o princípio do Estado Democrático de Direito é respeitar a lei. Na CPI, o acusado tem o direito de permanecer calado; porém, muitas vezes, ao exercê-lo, o depoente é hostilizado pelos parlamentares. “Já vi muitas vidas serem destruídas em CPI, como também já vi acusados serem aplaudidos por deputados e senadores após deporem”. Como parlamentares têm poder magistrado em CPI, “seria a mesma coisa que um juiz de direito aplaudir um depoente. Alguém aqui já viu isso? Trata-se de uma subversão”, afirmou.

As decisões do Poder Judiciário sobre causas ainda sem norma também foram trazidas à baila por D’Urso. Em questões sobre as quais o Supremo ainda não se manifestou, em geral, busca-se salvaguarda em decisões proferidas em instâncias menores, como os tribunais regionais. Exemplificou: “Só que pode haver decisões diferentes de tribunais de regiões diferentes. E o que faz cidadão? Arrisca? Já muito se disse que no Brasil até o passado é imprevisível. E é verdade. É essa insegurança jurídica que temos de enfrentar”.

D’Urso concluiu concordando com a solução proposta por Régis de Oliveira. “Eu me interesso por ouvir mais sobre essa democracia representativa. É uma reflexão viável diante da situação que o Brasil vive hoje”.

Leandro Vieira
Departamento de Comunicação/Secovi-SP

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